Fragmentado - trauma, dor e cisão.
A análise
dessa semana é sobre o filme fragmentado, podendo ser o texto mais longo que já
fiz no blog. Ela irá focar na analise do funcionamento do antagonista e suas
diferentes personalidades, além de entender a relação entre Casey e seu
sequestrador, relação essa marcada pelo trauma e a dor que os envolvem.
Importante deixar claro, que esse texto tem
como base apenas hipóteses e nada realmente concreto, até porque, não há muita
literatura sobre o transtorno dissociativo de identidade. Por isso tirei
licença poética para poder analisar os personagens.
Primeira parte – filme e teoria
O filme
conta a história de três garotas que foram raptadas por um estranho no
estacionamento do aeroporto. Durante o cativeiro, o sequestrador começa a
apresentar comportamentos estranhos, como se mudasse de personalidade o tempo
todo.
Com o decorrer do filme, através da relação
entre Kevin com sua terapeuta, descobre-se que ele sofre de transtorno
dissociativo de identidade, tendo mais de 23 personalidades diferentes que
aparecem em variadas partes no filme, levando desespero e incompreensão a
todos que estão a volta dele, principalmente Casey e suas amigas que foram
sequestradas.
Em
relação ao Transtorno dissociativo de identidade, ele é descrito por manuais de
psicopatologia como o DSM – V¹, como uma “ruptura da identidade caracterizada
pela presença de dois ou mais estados de personalidade distintos”. O individuo
muitas vezes perde o controle de suas ações, tendo alterações em seu
comportamento, sentimentos e consciência, inclusive tendo “brancos” em sua memória
relacionados a eventos cotidianos, informações pessoais ou traumas, que seriam incompatíveis
com um esquecimento comum. Seria como se os brancos tivessem sido preenchidos
por outra pessoa.
Segundo o mesmo manual citado, o TDI pode ter
como fator de risco o abuso sexual e físico, além de outras experiências
consideradas traumatizantes. Sobre o trauma, para Freud², ele é um
acontecimento com uma carga emocional tão forte que o nosso eu (ego) não
consegue dar conta, deixando marcas profundas em nossa vida. Muitas vezes a pessoa que passa por uma
situação traumática acaba sendo atormentada por pesadelos ligados ao ocorrido,
sendo tomada pela angustia.,
No filme, pode-se ver em seus dois principais
personagens, claramente, a dor e as consequências de situações extremamente traumáticas
e que, ao final, acaba de alguma forma, ligando-os
de um jeito sombrio. Isso fica mais claro na análise, tanto de Casey quanto de
Kevin e suas personalidades.
2
- Análise dos personagens
Casey
– Durante grande parte do filme, podia se notar a diferença de comportamento
entre Casey e as outras meninas. Ela sempre se
demonstrou mais fria mesmo nas situações mais ameaçadoras. Ao longo da trama,
ocorrem flashs com as memórias da garota que
foi criada pelo seu tio, memórias que dão a entender que ela foi abusada por ele. Quando essas memórias vinham
para Casey, ela começava a chorar e entrar em desespero e toda sua calma e
passividade desabava, como uma pessoa que revive o trauma o tempo todo, como se
ele flutuasse em sua mente.
Kevin e suas personalidades
Durante
as consultas com a terapeuta e em partes do filme, dar-se entender que Kevin
sofreu muito com os abusos físicos e morais de sua mãe durante sua infância,
situações que muitos poderiam considerar traumáticas.
Pode-se levantar a hipótese que para lidar
com toda dor e sofrimento pelo qual passava com sua mãe, Kevin tenha cindido a
si mesmo como uma forma de proteção e defesa. Até mesmo com o tamanho da carga
afetiva e da dor que era incapaz de lidar. Pode-se perceber resquícios disso em
suas principais personalidades descritas a seguir, lembrando que são hipóteses:
Dennis –
A primeira personalidade que aparece no filme é a de Dennis. Ele é descrito
pela terapeuta como alguém que tem toc e ao mesmo tempo é descrito pelas outras
personalidades como aquele que as cuida. Denis pode ser uma personalidade que
se desenvolveu a partir da ideia de que se fosse perfeito não sofreria o que Kevin
sofreu nas mãos de sua mãe, evitaria a punição. Além disso, no filme, não deixa
claro se Kevin conviveu muito tempo com o seu pai ou não, sendo que talvez,
Dennis exerça essa função sobre as outras personalidades.
Patricia –
Patrícia mostra-se calma e cuidadosa na maior parte do filme, oposta
personalidade da mãe do Kevin. Assim como Dennis poderia ser visto como a
figura paterna, Patricia pode ser vista como a mãe que cuida e protege as
outras personalidades. Apesar disso, é a personalidade que lidera o culto a
besta, preparando suas oferendas.
Hedwig –
Essa personalidade é a de um menino de 8 anos que surge em alguns momentos do
filme e até faz amizade com a protagonista. Essa personalidade talvez
represente o Kevin criança e inocente que não foi atingido pelos abusos físicos
e morais da mãe, uma identidade que pode representar ele antes da cisão das
personalidades. Talvez, por sua inocência, e ser a que mais se distância das situações
traumáticas, seja a personalidade menos ameaçadora, e por isso, aquela que
consegue sair no momento que quer.
A besta e a horda –
No filme, é revelado que tanto Dennis quanto Patrícia prenderam as meninas para
servirem de oferenda para a “besta”, a
vigésima quarta personalidade. A besta, selvagem, agressiva e imortal, nada
mais seria que o anseio de todas as outras personalidades. Pode-se teorizar que ela acumula toda a raiva e agressividade que Kevin guardou
desde a infância em relação a sua mãe, agressividade que ele nunca foi capaz de
demonstrar. Se ele fosse a besta, ele não sofreria o que ele sofreu e ninguém
mais o machucaria. As identidades surgem como forma de fugir e lidar com a dor,
e a besta as unifica em forma de vingança e proteção contra o mundo,
3° parte Casey e a besta – Os problemáticos são os mais evoluidos
Ao final
do filme, quando a besta está prestes a matar Casey, ao ver os cortes na
barriga da menina, percebeu que ela se automutilava, ou seja, sofreu algo
parecido com o que ele também passou. A besta se identifica com a garota e
solta a frase “os problemáticos são os mais evoluídos”, desistindo de
feri-la, dando a entender que somente aqueles que realmente sofrem são puros e além disso, mostrando que a dor os ligava de alguma forma.
.
Após isso, a besta desaparece e descobre-se que Casey ainda mora com o tio que a
abusava, mostrando que seu sofrimento, mesmo depois de tudo que passou com Kevin,
ainda continuaria, sendo uma história em que não há final feliz.
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referencias
1 - AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora, 2014.
2 -
PESSOA, P.M.S; AGOSTINHO, M.L;
MANDELBAUM, B. Crime e família: trauma, processos de elaboração e rupturas de
enquadre no atendimento psicanalítico de uma família. In: GOMES, I.C. (org.), Clínica
psicanalítica de casal e família: a interface com os estudos psicossociais.
São Paulo: Santos, cap. 13, p. 173-187, 2009.
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